Artigo: O foro privilegiado do mensalão
02/08/2012 14:32h
O artigo "O foro privilegiado do mensalão", de autoria do coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS, RIcardo Breier, foi publicado na edição desta quarta-feira (2) do jornal Zero Hora.
RICARDO BREIER*
Um capítulo importante da nossa recente democracia será escrito a partir desta quinta-feira, em Brasília, com o início do julgamento no Supremo Tribunal Federal do "mensalão". Quando o relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, iniciar a leitura do processo, os holofotes da mídia e o olhar da sociedade estarão voltados para a Capital Federal na expectativa do veredicto de tão rumoroso episódio, que envolveu políticos e agentes privados, que segundo o Ministério Público Federal foi o maior esquema ilegal de financiamento político organizado que este país presenciou.
Muito tem sido falado sobre este julgamento, desde os acusados, de como funcionará a sessão, da manifestação do procurador-geral da República, das teses defensivas e dos votos de cada ministro.
Entendo ser de alta relevância para a população que este caso seja o mais transparente possível e que, de certa maneira, todos os brasileiros possam obter o maior número de informações sobre os atos ocorridos. Isso não me preocupa, pois a imprensa, felizmente, é livre e fará seu papel. O que mais preocupa neste julgamento vem a ser o tema do foro privilegiado.
O instituto do foro privilegiado faz com que o STF julgue todos os envolvidos, o que, para eles, impede que a decisão seja revista, já que é a última instância de justiça. Aqui, talvez se dê continuidade à discussão sobre o fim desse privilégio, o que permitiria que a Justiça de primeiro grau, com mais estrutura, tenha a competência de fato (exemplo: o caso Detran e seu julgamento pela Justiça federal de Santa Maria).
Não é papel do STF fazer instrução de processo, pois não há estrutura física e pessoal para tal missão. Sua tarefa, que já é árdua, é de apenas julgar casos relacionados à violação dos direitos constitucionais. Aqui, a meu ver, pode-se colocar em risco a segurança jurídica, já que a maioria dos ministros só teve acesso ao conjunto probatório do processo (mais de 50 mil páginas e mais de mil decisões individuais dos 38 acusados) depois de concluída a instrução, sem qualquer participação ativa. O STF há de ter a visão de que a sociedade espera o desfecho sobre a finalidade do esquema e qual a natureza dos recursos utilizados pelos acusados.
Para um julgamento justo, a segurança jurídica ganha protagonismo, e vai além dos limites da lei, obrigando o ministro a ter conhecimento absoluto do processo; daí por que a prudência na forma de julgar. Não faltará competência técnica para os ministros, mas certamente faltará o contato com a instrução do processo, fato que limita o alcance pessoal da matéria. A sociedade tem que entender que as futuras absolvições não podem ser consideradas impunidade, mas, sim, um ato de convicção do ministro pelo que pôde analisar dentro de seu limite físico. O STF será exigido e pagará alto preço pelo tema do foro privilegiado. Quem sabe, as dificuldades do "mensalão" possam definitivamente sepultá-lo para o próprio bem da segurança jurídica.
*Advogado, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS e professor de Direito
02/08/2012 14:32h